Tenho lido declarações de responsáveis políticos da área do património cultural, a propósito de alguns museus do Estado, que são verdadeiramente abusivas, excessivas e despropositadas, sobretudo porque se não baseiam em quaisquer dados sérios e fiáveis que as possam sustentar minimamente.
Antes de mais devo esclarecer que considero responsáveis políticos todos os dirigentes superiores que se encontram em exercício de funções por nomeação, venham eles de nomeações ainda produzidas pelo anterior governo, sejam eles já resultado de nomeações feitas pelo actual.
A todos considero, por igual, como responsáveis conscientes da política seguida por este governo.
Excluo, portanto, todos os dirigentes intermédios que exercem as suas funções em resultado de concursos públicos ou, tendo sido nomeados em regime de substituição, apenas asseguram o normal funcionamento das entidades e instituições museológicas, até competente concurso público que os colocará, de novo, em situação de direcção por mérito próprio.
Isto claro, apenas para os que já exerciam tais funções e não para os noviços que agora se preparam para “assaltar” tais cargos e funções, sem quaisquer méritos próprios que não sejam os da confiança pessoal dos nomeadores que são, também eles, nomeados...
Acontece então que temos vindo a assistir à produção de afirmações públicas, em diversos órgãos de comunicação social, nomeadamente os escritos, que determinados museus do Estado correram o risco de ser encerrados, ora porque tinham performances de gestão extremamente negativas, ora porque tinham tão poucos visitantes que, certamente, se não justificavam abertos ao público...
Confesso que tais afirmações, sempre produzidas no sentido de apoucar o desempenho dos museus não nacionais, e situados fora de Lisboa, para assim se justificarem actos menos dignos sobre tais museus e suas direcções, me obrigam ao difícil exercício de imaginar em que é que se baseiam estes responsáveis para poderem afirmar o que afirmam. E sobretudo por fazerem tais afirmações com a tranquilidade incomodativa que o desconhecimento das matérias abordadas vai permitindo, sem qualquer contraditório à altura, em total e completa leviandade justificativa.
Vejamos então os falsos pressupostos em que esta lógica discursiva se baseia, para tentar fazer passar comportamentos e decisões a todos os títulos inaceitáveis e inadequados:
1 - Se alguns museus passaram para a dependência tutelar das direcções regionais de cultura porque a alternativa era o seu encerramento, não se percebe lá muito bem como é que tais transferências “salvam” estes museus, já que as dotações orçamentais de todas as direcções culturais – tanto a geral como as regionais – provêm exactamente da mesma fonte original e que é, como todos sabemos, os orçamentos de Estado para o sector da cultura.
As verbas disponíveis para o funcionamento dos museus do Estado ou existem, ou não existem, independentemente das suas dependências tutelares! Agora existirem verbas se os museus estiverem na dependência das direcções regionais de cultura e não existirem se as mesmas se tivessem mantido na dependência tutelar da direcção geral do património cultural é coisa que não se percebe, de todo, e exige detalhada explicação...
2 – Se alguns museus correm o risco de fechar devido ao baixo número de visitantes (prova inequívoca de um desconhecimento real sobre o universo das funções e serviços culturais prestados por um museu) então a primeira consequência lógica é a de que o Museu Nacional de Arte Antiga deve ser o primeiro a fechar as portas. Até para dar o exemplo, seguindo-se depois a quase totalidade dos museus nacionais, para finalmente poderem alegar alguma legitimidade para encerrar os museus localizados no interior do país.
E isto pela simples razão de que o número de visitantes de cada museu jamais poderá ser medido em termos absolutos, mas sim em termos relativos, de acordo com os públicos potenciais da localidade e região onde cada museu está inserido.
Ou seja, deve ter sempre em conta, pelo menos, dois factores de relevância absoluta na construção deste índice – os habitantes da localidade e os fluxos turísticos que acorrem à mesma localidade e/ou à região onde se insere.
Lisboa ronda os 5 milhões de potenciais visitantes (mais de meio milhão de residentes e cerca de cinco milhões de turistas ao ano). Depois é só fazer as contas e verificar que os rácios dos museus fora dos grandes centros urbanos estão ao nível dos da capital, sendo que em muitos casos os ultrapassam sem qualquer esforço adicional!
3 – E se tais museus correm o risco de fechar porque têm fracos índices de rentabilidade, então também terão que fechar, primeiro e desde logo, os grandes museus nacionais, com o Museu Nacional de Arte Antiga à cabeça, e só depois é que terão legitimidade para fechar os restantes. E isto pela simples razão de que são os museus nacionais, de uma maneira geral, os que possuem défices mais negativos na relação entre a receita e a despesa gerada em cada ano económico.
(É claro e evidente que eu discordo totalmente do uso sequer deste tipo de critérios simplistas e redutores, que só a ignorância pode validar, mas não tenho outra solução para exercer um adequado contraditório senão a de esgrimir os argumentos na mesma base em que são formulados pelo analfabetismo cultural agora alcandorado à situação de poder em Portugal)!
Seria conveniente analisar os documentos de gestão do ex-IMC (disponíveis no respectivo lugar internet) e fazer algumas contas primeiro... E sobretudo fazê-lo antes de se produzirem afirmações categóricas a favor de determinados modelos de gestão, a partir de fundamentos que são liminarmente desmentidos pela realidade existente.
4 – Um outro argumento vastamente utilizado nestes tempos de crise que vivemos é o de que, havendo hospitais e escolas a fechar, já muito se faz para que os museus continuem abertos, parecendo mesmo que até é indecoroso manter museus abertos quando outras entidades de natureza pública e social fecham as suas portas a pretexto de uma ideologia neoliberal que ostraciza e despreza o serviço público.
Pois é exactamente disso que se trata – de uma ideologia que menospreza o sentido e o valor do serviço público, com que não concordo de todo, e que persegue ferozmente esse serviço público que tem objectivos de natureza social, económica, formativa e cultural.
Felizmente até no próprio governo estamos a ouvir vozes discordantes deste ataque inqualificável aos serviços públicos, o que nos poderá, eventualmente, conceder o conforto de sabermos que ainda há alguma social democracia no PSD, desde que a mesma seja capaz de travar este ímpeto selvagem de se querer usar os dinheiros públicos para financiar apenas iniciativas privadas, não admitindo que tal desiderato obsceno seja alcançado à custa da destruição de todos os serviços públicos do Estado.
5 – Mas se o problema é mesmo, e tão só, uma mera questão de natureza economicista e financeira, então existe uma solução, na área da cultura, bem melhor, mais eficaz e adequada do que a de destruir, pura e simplesmente, os museus do Estado.
Extingam antes as direcções regionais de cultura, verdadeiros sugadouros de verbas do erário público, as mais das vezes usadas para alimentar clientelas pessoais, a pretexto de projectos mirabolantes que não têm qualquer sustentabilidade real, e usem as verbas disponíveis para dar autonomia aos museus e monumentos, dentro do saudável princípio republicano da maior liberdade com a maior das responsabilidades!
Assim, poupamos todos imenso dinheiro que hoje é esbanjado por estas direcções regionais de cultura, que são tudo menos entidades próximas das realidades locais, porque só o são para os amigos e compadres, ultrapassando mesmo as lógicas partidárias...
Ou então passem definitivamente tais direcções regionais para a dependência das tutelas locais/regionais, evitando assim que as mesmas sejam instrumentalizadas por gente que não se sufraga democraticamente, nem ao veredicto do voto popular nem ao crivo dos concursos públicos onde o mérito possa, ao menos, ser confrontado com alternativas credíveis!
Até lá, não enganem mais o povinho, porque não estamos em tempo de nos enganarem mais do que já andamos enganados... e esmagados!
Agostinho Ribeiro