quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Beber desta água.



Se há uma semana atrás me perguntassem se seria possível eu felicitar este Governo, fosse pelo que fosse, relacionado a qualquer sector da governação que fosse, a minha resposta seria imediata e convicta – não!

A verdade é que nestes últimos dois dias aconteceram duas extraordinárias coisas que me impelem, por obrigação de consciência, a reconhecer que o devo fazer. Ambas referentes ao mesmo membro do Governo que, como é fácil de perceber, é o novo Secretário de Estado da Cultura, Dr. Jorge Barreto Xavier.
Como eu nunca fui pessoa de produzir elogio fácil, seja a quem for e seja a que propósito for, também o não farei (nem faria) sem estar munido de substantivas razões, com fundamentos e conhecimento objectivo para tal.
E tenho. Objectivamente tenho, em relação às duas ocorrências que me levam à felicitação deste governante.

A primeira ocorrência deve-se ao facto do SEC ter aceitado o pedido de demissão do Director Geral do Património Cultural, Elísio Summavielle.
Na verdade, independentemente das convicções ideológicas e partidárias que possamos ter, foi este senhor, juntamente com o ex-Director do IMC, João Brigola, um dos protagonistas maiores de um processo de destruição sistemática do edifício museológico nacional, que tinha vindo a ser, e muito bem, paulatinamente construído desde a constituição do saudoso Instituto Português de Museus, sob a superior orientação de Simonetta Luz Afonso, e um grupo de notáveis profissionais da área da museologia (onde a nova Directora Geral, Isabel Cordeiro, também se integra).

Neste desmantelamento irresponsável, dividiram os museus do Estado em museus de primeira e museus de segunda categorias, sem qualquer lógica ou critério técnico minimamente sérios, antes com base em fundamentos erráticos, evasivos, todos não comprovados e alguns até mesmo falsos, em determinados aspectos concretos de tais justificações.

Destruíram praticamente um serviço central que, com muita dificuldade, é certo, mas com competência e entrega ao serviço público, ia prestando apoio e assessoria técnica e financeira aos Museus, enquanto serviços dependentes, mas todos legal, moral e simbólicamente igualitários nos direitos e deveres da função, primeiro acto de cultura identitária para o cumprimento de um indeclinável desígnio nacional.

Retiraram a pouca autonomia que os museus do Estado possuíam e que, sendo pouca, era o embrião de um processo conducente a uma maior independência orgânica e funcional, segundo o princípio muito salutar e nobre, em qualquer democracia verdadeira, da maior liberdade de acção dentro da maior responsabilidade de gestão da coisa pública.

Finalmente, ainda deram cabo da Rede Portuguesa de Museus, um dos mais promissores projectos de sincretismo museológico, a nível mundial, e que em Portugal estava a dar passos seguros em direcção a uma verdadeira rede sistémica das nossas instituições museológicas, criando cumplicidades e parcerias técnicas e científicas de enorme valor, fruto do trabalho de inestimável rigor e competência da equipa responsável pelo seu funcionamento e desenvolvimento.

Por estas poderosas razões, demitindo ou aceitando a demissão do Director Geral do Património Cultural (é indiferente) o actual SEC agiu muito bem e só pode ser felicitado por esta correcta atitude.

A segunda ocorrência que me leva ao outro elogio, surge imediatamente a seguir, com a notícia de que será Isabel Cordeiro a nova Directora Geral do Património Cultural.
Colega de profissão desde há muitos anos a esta parte, mulher conhecedora do mundo ligado ao património cultural nas sua diversas e múltiplas vertentes, competente e rigorosa em tudo o que faz, detentora de uma postura irrepreensivelmente séria, mas sempre educada, afável e muito humana, nunca regateando um sorriso franco e aberto, típico das pessoas que estão bem com elas próprias, e portanto disponíveis para trabalhar com os outros, Isabel Cordeiro é a personalidade adequada para o cargo e a função difíceis que agora entendeu aceitar.
Retenho de Isabel Cordeiro o seu excelente e profícuo trabalho como técnica, dirigente e subdirectora do ex-IPM e, até agora, directora do Palácio Nacional de Queluz, tendo mesmo participado com ela em alguns trabalhos internacionais em representação do então Instituto Português de Museus, onde me pude aperceber melhor da natureza segura e competente desta mulher que agora vai gerir os destinos da nova direcção geral.

Em suma, tenho fundadas razões e conhecimentos de causa para considerar que são boas notícias estas que agora vêm a público dos lados da Secretaria de Estado da Cultura.

Todos sabemos que as coisas não serão fáceis para Isabel Cordeiro, e qualquer processo sério, não digo de reconstrução em direcção ao passado, mas sim de reabilitação projectiva e verdadeira reforma dos museus em Portugal, será sempre um processo difícil, duro de perseguir e de concretizar nos tempos mais próximos, tamanhos foram os disparates cometidos nos três últimos anos. Impõe-se agora uma reflexão mais cuidada e partilhada sobre o destino missionário dos nossos museus (e do património cultural em geral, claro), bem como das formas e instrumentos materiais e intelectuais para o alcançarmos em conjunto.

Quem me conhece, sabe bem que nunca me deixei submeter às lógicas político-partidárias quando essas lógicas contrariavam, ou contrariam, as minhas mais profundas convicções ou saberes técnicos, profissionais ou até mesmo ideológicos. Fui profundamente crítico do modelo que estava a ser delineado para os Museus do Estado, desde sempre, e prova disso são os meus textos publicados ao longo dos anos a expressarem precisamente as minhas maiores apreensões e preocupações nesta matéria. Que nunca deixei de manifestar publicamente!

Com a verticalidade que critico quando entendo que devo criticar, também sei elogiar e felicitar, quando tenho razões que dou por válidas para o fazer. É o caso presente!

Agostinho Ribeiro

Sem comentários:

Enviar um comentário