Se há uma semana atrás me
perguntassem se seria possível eu felicitar este Governo, fosse pelo que fosse,
relacionado a qualquer sector da governação que fosse, a minha resposta seria
imediata e convicta – não!
A verdade é que nestes últimos
dois dias aconteceram duas extraordinárias coisas que me impelem, por obrigação
de consciência, a reconhecer que o devo fazer. Ambas referentes ao mesmo membro
do Governo que, como é fácil de perceber, é o novo Secretário de Estado da
Cultura, Dr. Jorge Barreto Xavier.
Como eu nunca fui pessoa de produzir
elogio fácil, seja a quem for e seja a que propósito for, também o não farei
(nem faria) sem estar munido de substantivas razões, com fundamentos e
conhecimento objectivo para tal.
E tenho. Objectivamente tenho, em
relação às duas ocorrências que me levam à felicitação deste governante.
A primeira ocorrência deve-se ao
facto do SEC ter aceitado o pedido de demissão do Director Geral do Património
Cultural, Elísio Summavielle.
Na verdade, independentemente das
convicções ideológicas e partidárias que possamos ter, foi este senhor,
juntamente com o ex-Director do IMC, João Brigola, um dos protagonistas maiores
de um processo de destruição sistemática do edifício museológico nacional, que
tinha vindo a ser, e muito bem, paulatinamente construído desde a constituição
do saudoso Instituto Português de Museus, sob a superior orientação de
Simonetta Luz Afonso, e um grupo de notáveis profissionais da área da museologia (onde a nova Directora Geral, Isabel Cordeiro, também se integra).
Neste desmantelamento
irresponsável, dividiram os museus do Estado em museus de primeira e museus de
segunda categorias, sem qualquer lógica ou critério técnico minimamente sérios, antes com
base em fundamentos erráticos, evasivos, todos não comprovados e alguns até mesmo falsos, em
determinados aspectos concretos de tais justificações.
Destruíram praticamente um
serviço central que, com muita dificuldade, é certo, mas com competência
e entrega ao serviço público, ia prestando apoio e assessoria técnica e
financeira aos Museus, enquanto serviços dependentes, mas todos legal, moral e simbólicamente igualitários nos direitos e deveres da função, primeiro acto de cultura
identitária para o cumprimento de um indeclinável desígnio nacional.
Retiraram a pouca autonomia que
os museus do Estado possuíam e que, sendo pouca, era o embrião de um processo
conducente a uma maior independência orgânica e funcional, segundo o princípio
muito salutar e nobre, em qualquer democracia verdadeira, da maior liberdade de acção dentro da maior responsabilidade de
gestão da coisa pública.
Finalmente, ainda deram cabo da
Rede Portuguesa de Museus, um dos mais promissores projectos de sincretismo
museológico, a nível mundial, e que em Portugal estava a dar passos seguros em
direcção a uma verdadeira rede sistémica das nossas instituições museológicas, criando
cumplicidades e parcerias técnicas e científicas de enorme valor, fruto do
trabalho de inestimável rigor e competência da equipa responsável pelo seu
funcionamento e desenvolvimento.
Por estas poderosas razões,
demitindo ou aceitando a demissão do Director Geral do Património Cultural (é
indiferente) o actual SEC agiu muito bem e só pode ser felicitado por esta correcta
atitude.
A segunda ocorrência que me leva
ao outro elogio, surge imediatamente a seguir, com a notícia de que será Isabel
Cordeiro a nova Directora Geral do Património Cultural.
Colega de profissão desde há
muitos anos a esta parte, mulher conhecedora do mundo ligado ao património
cultural nas sua diversas e múltiplas vertentes, competente e rigorosa em tudo
o que faz, detentora de uma postura irrepreensivelmente séria, mas sempre educada,
afável e muito humana, nunca regateando um sorriso franco e aberto, típico das
pessoas que estão bem com elas próprias, e portanto disponíveis para trabalhar
com os outros, Isabel Cordeiro é a personalidade adequada para o cargo e a
função difíceis que agora entendeu aceitar.
Retenho de Isabel Cordeiro o seu
excelente e profícuo trabalho como técnica, dirigente e subdirectora do ex-IPM
e, até agora, directora do Palácio Nacional de Queluz, tendo mesmo participado
com ela em alguns trabalhos internacionais em representação do
então Instituto Português de Museus, onde me pude aperceber melhor da natureza
segura e competente desta mulher que agora vai gerir os destinos da nova
direcção geral.
Em suma, tenho fundadas razões e
conhecimentos de causa para considerar que são boas notícias estas que agora
vêm a público dos lados da Secretaria de Estado da Cultura.
Todos sabemos que as coisas não
serão fáceis para Isabel Cordeiro, e qualquer processo sério, não digo de
reconstrução em direcção ao passado, mas sim de reabilitação projectiva e verdadeira reforma dos museus em
Portugal, será sempre um processo difícil, duro de perseguir e de concretizar
nos tempos mais próximos, tamanhos foram os disparates cometidos nos três últimos
anos. Impõe-se agora uma reflexão mais cuidada e partilhada sobre o destino missionário
dos nossos museus (e do património cultural em geral, claro), bem como das formas e
instrumentos materiais e intelectuais para o alcançarmos em conjunto.
Quem me conhece, sabe bem
que nunca me deixei submeter às lógicas político-partidárias quando essas
lógicas contrariavam, ou contrariam, as minhas mais profundas convicções ou
saberes técnicos, profissionais ou até mesmo ideológicos. Fui profundamente
crítico do modelo que estava a ser delineado para os Museus do Estado, desde
sempre, e prova disso são os meus textos publicados ao longo dos anos a
expressarem precisamente as minhas maiores apreensões e preocupações nesta
matéria. Que nunca deixei de manifestar publicamente!
Com a verticalidade que critico
quando entendo que devo criticar, também sei elogiar e felicitar, quando tenho
razões que dou por válidas para o fazer. É o caso presente!
Agostinho Ribeiro
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