Não haja dúvida que há números que são mesmo mágicos... Sobretudo nas manipulações dos modelos teóricos
que sabem adaptar, sempre, as necessidades reais à virtualidade das boas (ou às
vezes menos boas) intenções...
Quem não gosta muito deste tipo
de exercícios intelectuais, quando passados ao "papel", é mesmo o Tribunal de Contas que, a este
propósito, mas noutros azimutes e âmbitos inspectivos, considera ser a
problemática criação de uma enganosa “ilusão de suficiência”, uma forma errada de
“estimular a assunção de compromissos, aumentando assim as responsabilidades”
de uma qualquer entidade, “sem a correspondente entrada de recursos financeiros”...
Já li isto, algures, num
relatório do Tribunal de Contas...
E vem isto a propósito das minhas
incursões sobre a proposta de Orçamento de Estado para 2013, com particular
detalhe sobre as propostas da entidade tutelar que agora é responsável pela
gestão do Museu de Lamego - a Direcção Regional de Cultura do Norte (doravante
DRCN).
Desde logo convém notar (e
estranhar) o facto de no site desta Direcção Regional não constarem os
Relatórios de Actividades e de Gestão referentes aos anos de 2010 e 2011, como
acontece na maioria das entidades públicas. Não quero crer que tal se deva a
uma qualquer tentativa de omitir informação fundamental sobre as contas desta
entidade, mas certamente devido a um qualquer lapso momentâneo que, estou certo, rapidamente
será resolvido.
Muito mais estranho é constatar
que esta DRCN prevê encaixar perto de 3 milhões
de euros de receitas próprias, (excluindo na presente análise tudo quanto se
refira a fundos europeus) o que me pareceu extraordinário para uma entidade que
ia receber sete museus e um palácio que, à excepção "do" palácio - o Paço dos
Duques, em Guimarães - são deficitários em termos financeiros correntes (que não em termos de serviço cultural público, em que são muitíssimo superavitários).
Fui analisar com mais detalhe
estes números e pude constatar esta coisa espantosa – a DRCN prevê encaixar
mais 162 % de verbas, em receitas próprias correntes, que as previsões que
possui para o actual ano de 2012, que se estimam em cerca de 1 milhão e cem mil
euros.
Certamente que pensam que o ano
de 2013 será um ano de extraordinário e forte crescimento para a economia
portuguesa, a permitir devaneios estimativos desta dimensão...
Ou então (é importante não descartar tal hipótese), estaremos perante projectos já concretos e definidos de externalização, como se propõe no documento preliminar do Orçamento de Estado, na brevíssima parte em que se refere à área da Cultura/Património, ainda que em lado algum devidamente descriminado, o que não pode deixar de nos merecer a maior das apreensões...!
Ou então (é importante não descartar tal hipótese), estaremos perante projectos já concretos e definidos de externalização, como se propõe no documento preliminar do Orçamento de Estado, na brevíssima parte em que se refere à área da Cultura/Património, ainda que em lado algum devidamente descriminado, o que não pode deixar de nos merecer a maior das apreensões...!
Ora, sabendo nós que as receitas
das entidades museológicas que agora se integram nesta direcção regional não
conseguirão muito mais que 600 a 700 mil euros (com alguma condescendência, creio eu), e sendo certo que o próximo ano
não será melhor que o actual, pareceu-me ser manifestamente exagerado tanto
optimismo...
Por isso mesmo, não satisfeito
com esta constatação, e à falta de informação útil que nos desse luz sobre tal
projecção, fui tentar perceber em que é que se baseia a estimativa das receitas
próprias para este ano de 2012, fixadas na ordem do milhão e cem mil euros, (a
dar-nos conta de que, afinal, o ano que corre até pode vir a não “correr” assim tão
mal para a DRCN, caso esta estimativa se cumpra...). Estranhei, uma vez mais, a ausência de qualquer justificação
ou fundamentação para tais valores e optei então por ir a uma fonte original,
ou seja, a uma conta de gerência que nos desse, com toda a fidedignidade, uma
ideia concreta, real e concisa das receitas próprias desta entidade. Para isso,
só tinha uma solução - consultar as Contas do Estado referentes a 2011, que já
se encontram fechadas.
É claro que fiquei profundamente
admirado, e desiludido, com os valores que ali encontrei plasmados. Então não é
que as receitas próprias referentes a 2011 se quedam por uns míseros 230 mil
euros? Portanto, vamos assistir este ano a um crescimento de receita própria da
DRCN na ordem dos 382 % e, para o próximo ano, na ordem dos 162 %. A relação percentual de 2011 para 2013 representa um aumento de receita própria de 1.165 %, uma verdadeira epifania, quando
comparado a esse ano menor de 2011...! Absolutamente esmagador...
Como em nenhum lado nos é
explicada a razão de ser deste extraordinário aumento, absoluto e percentual, (a
mais das vezes inscrito nas rubricas “outros” e “outras”) vamos simplesmente esperar e desejar que estes valores se não insiram naquilo que os inspectores e Juízes do
Tribunal de Contas referem ser “criação de ilusão de suficiência”, tão
duramente criticada por eles...
Ainda se poderia contra argumentar que esta
é a norma praticada por todos, nomeadamente por todas as direcções regionais de
cultura e seriam, (a par de algumas autarquias que tão bem conhecemos), uma
espécie de “tique maniento” das pessoas da cultura (e de outros quadrantes
gestionários), mas não, não é... Felizmente não é!
Fui verificar os valores das restantes
entidades regionais de cultura e constatei que estas direcções podem
ter muitos defeitos, mas este não têm seguramente, porque os valores ali
constantes correspondem, grosso modo, ao que eu considero ser um exercício
saudável e responsável de uma estimativa orçamental adequada às exigências da
gestão da "coisa pública".
A única que “foge” um pouco mais aos
padrões normais é a da região centro, na ordem dos 78 % do ano de 2013 em relação a 2011, mas mesmo assim a anos luz dos “mágicos” 1.165 % da
DRCN.
No fim de tudo isto, lá terá que
vir o senhor Ministro das Finanças lamuriar-se publicamente de que, afinal, a
despesa foi muito maior que o previsto... Pudera... Com tanta "ilusão de suficiência"...
Os números têm destas coisas...
Por vezes são mesmo mágicos e podem aumentar exponencialmente até onde a nossa
imaginação os quiser levar... Basta querermos... e ele há quem queira muito!
Agostinho Ribeiro
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