Quando este governo cair e
Portugal voltar à normalidade intelectual e operativa, o que prevejo que poderá
acontecer mais cedo do que inicialmente se pensaria, importa estar também
atento ao que se vai passar, logo de seguida, no sector da cultura e,
nomeadamente, no sector do património e dos museus.
Para além da evidente e
imprescindível dispensa, urgentíssima, dos actuais dirigentes e responsáveis
que andam a fazer tanta asneira no nosso sector (de há dois a três anos a esta
parte), importa fixar os pontos fundamentais que hão-de constituir as bases de
uma reforma correcta nos museus portugueses, assente em critérios técnicos e
científicos credíveis e sustentáveis, tanto no plano conceptual como no que
respeita às exigências de uma sociedade em crise, que não podemos ignorar, e
não em resultado de devaneios incompetentes de quem tem vindo a gerir o sector,
sem diálogo nem contraditório, (mas com perseguições e vinganças pessoais, mais
consentâneas com ditaduras do que com democracias), como se a coisa pública
fosse propriedade de dois ou três iluminados, e não propriedade de todos os
portugueses...
Como contributo pessoal, aqui
deixo publicamente o teor de algumas das reflexões que produzi há bem pouco tempo, num
seminário promovido pelo ICOM, “Deontologia dos Profissionais dos Museus: Novos
Paradigmas”, que se realizou no passado mês de Março, no Museu Nacional Soares
dos Reis, no Porto.
É claro que agora o texto foi
adaptado às novas realidades existentes no sector dos museus, por vivermos já
uma situação diferente, após o “colossal” erro programático e operacional,
produzido com as novas leis orgânicas da Direcção Geral do Património Cultural
e das Direcções Regionais de Cultura.
Os aspectos mais relevantes que
me parecem dever ser analisados, na perspectiva de uma mudança de paradigma
(que à cultura em geral, e aos museus em particular, se coloca), podem
sintetizar-se nos seguintes pontos/questões, mais direccionados aqui para as
responsabilidades do Estado:
1º - O Estado não se pode demitir
das suas responsabilidades constitucionais, expressas na alínea e) do artigo 9º
da Constituição da República Portuguesa (Tarefas fundamentais do Estado), que
refere concretamente as de “Proteger e valorizar o património cultural do povo
português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e
assegurar um correcto ordenamento do território”!
2º - Para o exercício desta
tarefa fundamental do Estado Português, e no âmbito específico do património
cultural depositado nos seus Museus, deve respeitar integralmente as
disposições constantes na Lei Quadro dos Museus Portugueses, Lei nº 47/2004, de
19 de Agosto.
3 - Em modesto entender, o disposto
nesta Lei deve constituir a base primordial do trabalho de reorganização dos
museus do Estado, e possíveis modelos de gestão, particularmente no que se
refere:
a) Ao objecto expresso no artigo
1º das suas disposições legais, desde a definição dos princípios da política
museológica nacional, passando pela promoção e regulação de todas as vertentes
onde a actividade museológica se faz sentir, até à institucionalização e
desenvolvimento da Rede Portuguesa de Museus;
b) À adequada sustentabilidade,
da responsabilidade inalienável do Estado, no que respeita aos recursos
humanos, financeiros e instalações, expressos no Capítulo III desta Lei;
c) Devendo ser dada especial
atenção ao Capítulo VIII, sobre a Rede Portuguesa de Museus, matéria
unanimemente considerada pelos responsáveis e trabalhadores do sector
museológico como sendo estruturante para o futuro dos museus e da museologia em
Portugal.
4 - O novo modelo de gestão dos
museus do Estado deverá conferir uma maior autonomia a estas entidades
culturais, permitindo a gestão independente das receitas próprias.
E, sendo assim, deverão ficar acautelados os seguintes
pressupostos:
a) Todos os museus devem possuir
uma dotação orçamental própria e objectivamente suficiente para fazer face às
despesas de funcionamento (pessoal e custos correntes), certamente condicionada
pela difícil situação que atravessamos, e que certamente ninguém pretende fazer de conta que não existe;
b) Os métodos de selecção para
apoios suplementares a projectos e programas específicos dos museus devem ser
definidos com regras claras e transparentes, de conhecimento interno
generalizado, e baseados em critérios objectivos e mensuráveis;
c) Os museus respondem, tanto ao
nível dos planos e orçamentos, como dos relatórios e contas, às entidades
tutelares, nos termos regulamentares que se vierem a instituir para todas as
entidades museológicas, por igual, devendo continuar a ser obrigatória a publicitação das contas anuais destas entidades, e respectivas tutelas, o que não acontece actualmente;
d) O Estado deve ainda garantir,
sem subterfúgios ou dilações, e sobretudo sem suborçamentações, as despesas com
o pessoal, com o funcionamento e com os equipamentos dos seus museus, reduzindo
os apoios a entidades estranhas à própria realidade cultural do país, para
garantir assim a indispensável sustentabilidade dos seus museus, sem onerar mais
o erário público;
e) O Estado deve disponibilizar,
através da(s) entidade(s) tutelar(es), os meios indispensáveis para fazer face
às necessidades de manutenção/reparação dos edifícios onde estão instalados os
museus, bem como em relação aos respectivos equipamentos que os dotam, com
recurso prioritário aos fundos comunitários disponíveis, que não estão a ser devidamente aproveitados;
f) O Estado deve disponibilizar,
através da(s) entidade(s) tutelar(es), os meios indispensáveis para fazer face
às necessidades de conservação das colecções de todos os Museus dependentes,
definindo a sua aplicação em função de critérios claros e objectivos, segundo
normas regulamentares estabelecidas internamente, com recurso prioritário aos
fundos comunitários disponíveis, que não estão a ser devidamente aproveitados;
g) As receitas de mecenato
obtidas para fins específicos, por parte de cada museu, devem ser geridas
directamente pelos museus beneficiários. As receitas mecenáticas obtidas pela
entidade tutelar, em termos gerais, devem servir para financiar projectos de
todos os museus, beneficiando tendencialmente os que, por força da sua
localização periférica, maiores dificuldades tenham na obtenção deste tipo de
apoios.
5 - No âmbito das transferências
já realizadas, de Museus para a tutela das Direcções Regionais de Cultura, e
uma vez que está demonstrado que tais transferências não foram feitas por
razões de natureza economicista, no sentido da contenção da despesa pública, devem
ser revistos os pressupostos que deram origem a tal decisão e, em qualquer
caso, devem ser acauteladas e garantidas as seguintes condições:
a) As novas entidades tutelares
serão dotadas anualmente dos recursos indispensáveis que assegurem as mesmas
condições de apoio material, humano, técnico e financeiro aos museus que
transitam de tutela, pelo menos nos termos em que tal apoio foi prestado pelo
ex- IMC, ficando obrigadas ao seu cumprimento, por força de lei;
b) As estruturas museológicas que
transitaram para as diferentes tutelas não sofrerão nenhuma depreciação
financeira, normativa, regulamentar e funcional, nem serão prejudicadas nos
seus mapas de pessoal actuais, nem das expectativas de funcionamento que
possuem, nem tão pouco de alterações aos métodos legais de constituição das
respectivas direcções, conforme está consagrado na Lei Quadro dos Museus
Portugueses;
c) Por cada Museu que seja
transferido definitivamente para outra tutela, por razões concretas e
tecnicamente fundamentadas (acervo, localização, tipologia ou outras) deve ser
transferida para a tutela do Estado uma entidade museológica que cubra zonas do
território nacional actualmente desprovidas de Museus do Estado, para
cumprimento do desiderato nacional e republicano sobre salvaguarda e valorização
do nosso património cultural;
d) Deverá estabelecer-se um regime de autonomia adequado a todos os museus, ao nível do seu planeamento interno e externo, quer em termos de agenda cultural, quer no estabelecimento das prioridades operacionais, no âmbito das suas funções museológicas.
d) Deverá estabelecer-se um regime de autonomia adequado a todos os museus, ao nível do seu planeamento interno e externo, quer em termos de agenda cultural, quer no estabelecimento das prioridades operacionais, no âmbito das suas funções museológicas.
6 - No âmbito da Rede Portuguesa
de Museus deveremos garantir:
a) Continuidade ao excelente trabalho
já realizado pela equipa que, entretanto, foi desmantelada, readmitindo os profissionais que
foram dispensados e reforçando as suas capacidades normativas e operacionais, aproveitando as extraordinárias competências e conhecimentos adquiridos nos últimos anos;
b) O início de um processo de (re)estruturação
a que se referem os artigos 106º e 107ª da Lei Quadro dos Museu Portugueses (museus
nacionais e núcleos de apoio a museus), definindo as respectivas funções e
instalando os primeiros núcleos no território nacional, testando a eficácia material de alguns exemplos âncora que se podem implementar em alguns museus do Estado.
7 – Finalmente, no âmbito das
relações entre a cultura e o turismo devem ser acautelados investimentos na
requalificação das estruturas museológicas em todo o território nacional, com
verbas provenientes do sector do turismo, estabelecendo quotas obrigatórias
para uma aplicação equilibrada e justa dos fundos disponibilizados para o
efeito, numa perspectiva global que não se centre exclusivamente em Lisboa e periferias, mas contemple as necessidades dos museus espalhados por todo o País.
Agostinho Ribeiro
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