segunda-feira, 15 de outubro de 2012

E que fazemos aos museus, quando este governo cair?




Quando este governo cair e Portugal voltar à normalidade intelectual e operativa, o que prevejo que poderá acontecer mais cedo do que inicialmente se pensaria, importa estar também atento ao que se vai passar, logo de seguida, no sector da cultura e, nomeadamente, no sector do património e dos museus.

Para além da evidente e imprescindível dispensa, urgentíssima, dos actuais dirigentes e responsáveis que andam a fazer tanta asneira no nosso sector (de há dois a três anos a esta parte), importa fixar os pontos fundamentais que hão-de constituir as bases de uma reforma correcta nos museus portugueses, assente em critérios técnicos e científicos credíveis e sustentáveis, tanto no plano conceptual como no que respeita às exigências de uma sociedade em crise, que não podemos ignorar, e não em resultado de devaneios incompetentes de quem tem vindo a gerir o sector, sem diálogo nem contraditório, (mas com perseguições e vinganças pessoais, mais consentâneas com ditaduras do que com democracias), como se a coisa pública fosse propriedade de dois ou três iluminados, e não propriedade de todos os portugueses...

Como contributo pessoal, aqui deixo publicamente o teor de algumas das reflexões que produzi há bem pouco tempo, num seminário promovido pelo ICOM, “Deontologia dos Profissionais dos Museus: Novos Paradigmas”, que se realizou no passado mês de Março, no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto.
É claro que agora o texto foi adaptado às novas realidades existentes no sector dos museus, por vivermos já uma situação diferente, após o “colossal” erro programático e operacional, produzido com as novas leis orgânicas da Direcção Geral do Património Cultural e das Direcções Regionais de Cultura.

Os aspectos mais relevantes que me parecem dever ser analisados, na perspectiva de uma mudança de paradigma (que à cultura em geral, e aos museus em particular, se coloca), podem sintetizar-se nos seguintes pontos/questões, mais direccionados aqui para as responsabilidades do Estado:

1º - O Estado não se pode demitir das suas responsabilidades constitucionais, expressas na alínea e) do artigo 9º da Constituição da República Portuguesa (Tarefas fundamentais do Estado), que refere concretamente as de “Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”!

2º - Para o exercício desta tarefa fundamental do Estado Português, e no âmbito específico do património cultural depositado nos seus Museus, deve respeitar integralmente as disposições constantes na Lei Quadro dos Museus Portugueses, Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto.

3 - Em modesto entender, o disposto nesta Lei deve constituir a base primordial do trabalho de reorganização dos museus do Estado, e possíveis modelos de gestão, particularmente no que se refere:

a) Ao objecto expresso no artigo 1º das suas disposições legais, desde a definição dos princípios da política museológica nacional, passando pela promoção e regulação de todas as vertentes onde a actividade museológica se faz sentir, até à institucionalização e desenvolvimento da Rede Portuguesa de Museus;

b) À adequada sustentabilidade, da responsabilidade inalienável do Estado, no que respeita aos recursos humanos, financeiros e instalações, expressos no Capítulo III desta Lei;

c) Devendo ser dada especial atenção ao Capítulo VIII, sobre a Rede Portuguesa de Museus, matéria unanimemente considerada pelos responsáveis e trabalhadores do sector museológico como sendo estruturante para o futuro dos museus e da museologia em Portugal.

4 - O novo modelo de gestão dos museus do Estado deverá conferir uma maior autonomia a estas entidades culturais, permitindo a gestão independente das receitas próprias.
E, sendo assim, deverão  ficar acautelados os seguintes pressupostos:

a) Todos os museus devem possuir uma dotação orçamental própria e objectivamente suficiente para fazer face às despesas de funcionamento (pessoal e custos correntes), certamente condicionada pela difícil situação que atravessamos, e que certamente ninguém pretende fazer de conta que não existe;

b) Os métodos de selecção para apoios suplementares a projectos e programas específicos dos museus devem ser definidos com regras claras e transparentes, de conhecimento interno generalizado, e baseados em critérios objectivos e mensuráveis;

c) Os museus respondem, tanto ao nível dos planos e orçamentos, como dos relatórios e contas, às entidades tutelares, nos termos regulamentares que se vierem a instituir para todas as entidades museológicas, por igual, devendo continuar a ser obrigatória a publicitação das contas anuais destas entidades,  e respectivas tutelas, o que não acontece actualmente;

d) O Estado deve ainda garantir, sem subterfúgios ou dilações, e sobretudo sem suborçamentações, as despesas com o pessoal, com o funcionamento e com os equipamentos dos seus museus, reduzindo os apoios a entidades estranhas à própria realidade cultural do país, para garantir assim a indispensável sustentabilidade dos seus museus, sem onerar mais o erário público;

e) O Estado deve disponibilizar, através da(s) entidade(s) tutelar(es), os meios indispensáveis para fazer face às necessidades de manutenção/reparação dos edifícios onde estão instalados os museus, bem como em relação aos respectivos equipamentos que os dotam, com recurso prioritário aos fundos comunitários disponíveis, que não estão a ser devidamente aproveitados;

f) O Estado deve disponibilizar, através da(s) entidade(s) tutelar(es), os meios indispensáveis para fazer face às necessidades de conservação das colecções de todos os Museus dependentes, definindo a sua aplicação em função de critérios claros e objectivos, segundo normas regulamentares estabelecidas internamente, com recurso prioritário aos fundos comunitários disponíveis, que não estão a ser devidamente aproveitados;

g) As receitas de mecenato obtidas para fins específicos, por parte de cada museu, devem ser geridas directamente pelos museus beneficiários. As receitas mecenáticas obtidas pela entidade tutelar, em termos gerais, devem servir para financiar projectos de todos os museus, beneficiando tendencialmente os que, por força da sua localização periférica, maiores dificuldades tenham na obtenção deste tipo de apoios.

5 - No âmbito das transferências já realizadas, de Museus para a tutela das Direcções Regionais de Cultura, e uma vez que está demonstrado que tais transferências não foram feitas por razões de natureza economicista, no sentido da contenção da despesa pública, devem ser revistos os pressupostos que deram origem a tal decisão e, em qualquer caso, devem ser acauteladas e garantidas as seguintes condições:

a) As novas entidades tutelares serão dotadas anualmente dos recursos indispensáveis que assegurem as mesmas condições de apoio material, humano, técnico e financeiro aos museus que transitam de tutela, pelo menos nos termos em que tal apoio foi prestado pelo ex- IMC, ficando obrigadas ao seu cumprimento, por força de lei;

b) As estruturas museológicas que transitaram para as diferentes tutelas não sofrerão nenhuma depreciação financeira, normativa, regulamentar e funcional, nem serão prejudicadas nos seus mapas de pessoal actuais, nem das expectativas de funcionamento que possuem, nem tão pouco de alterações aos métodos legais de constituição das respectivas direcções, conforme está consagrado na Lei Quadro dos Museus Portugueses;

c) Por cada Museu que seja transferido definitivamente para outra tutela, por razões concretas e tecnicamente fundamentadas (acervo, localização, tipologia ou outras) deve ser transferida para a tutela do Estado uma entidade museológica que cubra zonas do território nacional actualmente desprovidas de Museus do Estado, para cumprimento do desiderato nacional e republicano sobre salvaguarda e valorização do nosso património cultural;

d) Deverá estabelecer-se um regime de autonomia adequado a todos os museus, ao nível do seu planeamento interno e externo, quer em termos de agenda cultural, quer no estabelecimento das prioridades operacionais, no âmbito das suas funções museológicas.

6 - No âmbito da Rede Portuguesa de Museus deveremos  garantir:

a) Continuidade ao excelente trabalho já realizado pela equipa que, entretanto, foi desmantelada, readmitindo os profissionais que foram dispensados e reforçando as suas capacidades normativas e operacionais, aproveitando as extraordinárias competências e conhecimentos adquiridos nos últimos anos;

b) O início de um processo de (re)estruturação a que se referem os artigos 106º e 107ª da Lei Quadro dos Museu Portugueses (museus nacionais e núcleos de apoio a museus), definindo as respectivas funções e instalando os primeiros núcleos no território nacional, testando a eficácia material de alguns exemplos âncora que se podem implementar em alguns museus do Estado.

7 – Finalmente, no âmbito das relações entre a cultura e o turismo devem ser acautelados investimentos na requalificação das estruturas museológicas em todo o território nacional, com verbas provenientes do sector do turismo, estabelecendo quotas obrigatórias para uma aplicação equilibrada e justa dos fundos disponibilizados para o efeito, numa perspectiva global que não se centre exclusivamente em Lisboa e periferias, mas contemple as necessidades dos museus espalhados por todo o País.

Agostinho Ribeiro

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