Nesta época de
Natal assistimos a um desdobramento de votos de felicidades e desejos
partilhados de sucessos, de paz e harmonia, de todos para todos, espelhando,
cremos nós, os sentimentos mais genuínos e profundos que caracterizam o lado
bom que existe em todos os seres humanos.
Ninguém é
insensível à época natalícia, e até mesmo os mais empedernidos e austeros
concidadãos não escapam a esta áurea admirável que nos costuma enredar e
embevecer, por estes dias de Natal.
Como sabemos, o
Natal, enquanto festividade cristã comemorativa do nascimento de Jesus Cristo,
foi instituída pelo bispo Libério, no ano de 354 d.C., fazendo coincidir esta
memória com as festas pagãs que então se celebravam, por esta altura do
Solstício de Inverno. Talvez a troca de presentes decorra desse ancestral
hábito pagão, e que Roma soube sincretizar de forma prática e inteligente,
incorporando alguns rituais pagãos no pujante cristianismo triunfante, que
assim soube adaptar e adaptar-se às realidades então vigentes, dada a força
mítica que muitos destes cultos gozavam no seio das gentes de então.
Seja como for,
a verdade é que hoje o Natal ultrapassou de novo a componente exclusivamente religiosa,
ainda presente e evidente nas nossas comunidades cristãs, mas agora para
atingir o cúmulo do novo paganismo, a que prosaicamente designamos de
consumismo. O mercado explora até à exaustão esta límpida e eclética fusão das
antiquíssimas festividades pagãs e cristãs, para se alcandorar como o fim em si
mesmo – consumir, consumir, consumir!
O mercado de
consumo dita as regras da festividade natalícia, e até mesmo o Menino Jesus é
hoje substituído pelo Pai Natal, recentemente inspirado na célebre figura do
Bispo de Mira, São Nicolau Taumaturgo, e cujo visual típico está erroneamente
associado às campanhas publicitárias da Coca-Cola, uma vez que muito antes
destas campanhas (a primeira foi em 1930) já o Pai Natal tinha sido
caracterizado mais ou menos desta forma, pelo caricaturista Thomas Nast, em
1886, ou seja, 40 anos antes da campanha desta conhecida bebida.
Mas a essência
do Natal, a que verdadeiramente importa realçar e lhe dá a força universal, não
será a do próprio mistério da vida? O nascimento de Cristo não será, mesmo para
os cristãos, a par do nascimento do próprio Deus Menino, a síntese da
glorificação do nascimento de todos nós, humanidade em perpétuo movimento e
que, para o melhor e para o pior, há-de sempre ter de contar com as suas
próprias forças e fraquezas, misérias e grandezas, no exemplo de alguém que
nasceu para, em supremo acto de dádiva completa, morrer por todos nós?
É o júbilo
redentor de quem nasceu para nos salvar, de quem se entregou totalmente a todos
nós e entregando-se, nos ofereceu a mais admirável, extraordinária e profunda
das histórias da humanidade, que há-de perdurar muito para além dos interesses
do mercado consumista, das modas transitórias, da efémera lembrança que a
fadiga do tempo não se esquecerá de apagar.
E também por
isto devemos estar atentos a tamanha explosão de boas vontades, de tantos votos
de felicidades, de tantas boas intenções… Elas comovem-nos, tocam-nos,
sensibilizam-nos…
Mas se olharmos
bem para muitos dos seus proponentes não conseguimos vislumbrar mais que
palavras ocas e vãs, ditas na perdulária voz do interesse mesquinho e imediato,
apelando à paz e concórdia sem nunca terem feito nada para a sua obtenção
efectiva, quantas vezes fazendo crer que é nos outros que está a “culpa” das
dissenções e do mal, sem se aperceberem que é no seu próprio seio, ou no seio
dos que lhes são próximos, que as rupturas são provocadas, as maledicências
proferidas, os vitupérios orquestrados…!
Ou seja, um ano
inteiro a provocar e a permitir que o mal seja cometido para depois se
arvorarem em defensores do bem, numa qualquer quadra natalícia que, entretanto,
cedo passa e logo se esquece… soa a falso!
Porque Natal
ainda não é todos os dias, e o espírito imanente desta quadra natalícia ainda
não consegue abranger a totalidade verdadeiramente universal que deveria
abarcar… ele fica-se, tantas vezes, pelo uso (e abuso) de desígnios indevidos
de alguns, para desonra de todos nós!
Que todos
saibamos destrinçar o trigo do joio, para que os falsos e enganosos votos que
deslealmente nos são proferidos soçobrem de imediato perante as boas e
verdadeiras intenções de bem-estar natalícias.
Agostinho
Ribeiro