Cada vez me convenço
mais que as pessoas mal-formadas têm por hábito colocar nos outros os seus
próprios defeitos. Se são ladrões, têm tendência para considerar que todos os
outros também o são. Se são trafulhas, nada de problemas de consciência porque
todos os outros são trafulhas também. Se não cumprem as suas obrigações profissionais,
de serviço público ou de obrigações fiscais, nem pensar em crises de
consciência, porque têm sempre a desculpa de que não serão os únicos nessa
situação… E assim por diante.
Esquecem-se
apenas de um pequeno detalhe – é que efectivamente nem todos são como eles e,
portanto, não agem nem pensam segundo os padrões de vilania que lhes são
próprios, da baixeza de intenções que os caracteriza e na permanente falta de
princípios éticos e morais que os norteia em todos os actos que praticam. De
facto, nem se apercebem que este mundo não é composto apenas por gente do seu
próprio calibre…
É triste vê-los
em alarves exibições de pretensiosismo moralizador, tantas vezes com a
complacência de gente verdadeiramente boa, mas seguramente enganada, que lhes
transmitem o à vontade de poderem fazer e dizer tudo o que lhes vem à cabeça,
sem recear responsabilidades pelos actos de verdadeira má-fé que vão cometendo
contra os seus eventuais e incómodos adversários.
Ética, para
estes senhores, é uma palavra sem qualquer sentido útil. Moral é uma “coisa”
esquisita que alguém inventou apenas para os contrariar nas suas mais torpes e
vis intenções de prejudicarem os outros, para seu próprio benefício.
É claro que
tudo isto só é possível num país onde a Justiça, quando solicitada a intervir,
tarda em se fazer cumprir, gerando a sensação de impunidade completa a quem não
tem nenhum pudor em insultar outrem, mas nunca deixando o direito a ser
ressarcido, de imediato, a quem é injustamente insultado. É nesta base, e com o
conhecimento claro desta realidade, que os prevaricadores se movimentam,
aproveitando as fragilidades de um sistema que se coloca a jeito de tais
facilidades prevaricadoras…
E é assim que se
instala a confusão entre o público e o privado, perante a passividade de todos,
sobretudo dos que têm a obrigação de zelar pela salvaguarda do Estado de
Direito, que ainda somos, admitindo-se com toda a ligeireza o uso abusivo dos
bens públicos para benefício privado, tentando dar a ideia, aos mais
desprevenidos, que a coisa pública é, afinal, coisa própria, e que o seu uso
ilegítimo não passa de um direito particular para quem desempenha um cargo
público.
Mas a verdade
legal não é essa, constituindo grave atropelo, não só às Leis da República, mas
também à ética profissional que nos deve nortear; e o dever moral também o não
é, resultando na maior das injustiças que pode haver numa sociedade moderna, de
valores e princípios normativos de conduta colectiva – a de nos permitir
adivinhar que nem todos os cidadãos são iguais perante todos e perante a Lei!
Percebo que as
pessoas mal-formadas coloquem deliberadamente nos outros os defeitos que lhe
são próprios. Afinal, por alguma razão serão isso mesmo, mal-formadas, no
sentido, evidentemente, intelectual e comportamental do termo.
É como um cão (que
me desculpe este nobre animal, tão amigo do homem) que, se por acaso pensasse,
pensaria que um ser humano, ao expor as suas ideias ou ao manifestar as suas
opiniões legítimas estivesse apenas, e tão-somente, a ladrar…
Agostinho
Ribeiro
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