domingo, 26 de fevereiro de 2012

Lamego Convida, uma empresa ruinosa para os cofres municipais.





Quando, a 21 de abril de 2006, manifestámos (não fui o único a fazê-lo) o nosso desacordo ao projeto de criação da empresa municipal Lamego Convida, nos termos e para os efeitos que então foram tornados públicos (como consta na ata da sessão da Assembleia Municipal, disponível no sítio internet da Câmara Municipal de Lamego), tinha eu a perfeita noção do que iria ser esta entidade, e da enorme irresponsabilidade gestionária que a sua criação traduzia - uma empresa que se propunha fazer o que devia ser feito pela Câmara, mas aumentando exponencialmente os custos, e ainda por cima criada sem qualquer estudo de viabilidade económica e de sustentabilidade financeira que então era, como ainda hoje é, obrigatório por lei (nº 3 do artº 4º da Lei nº 58/98 de 18 de agosto, e artºs 7º e 9º da Lei nº 53-F/2006, de 29 de dezembro).
O único estudo de viabilidade então utilizado para sustentar a sua criação referia-se ao fim específico de gerir uma única entidade, o Teatro Ribeiro Conceição, e nada mais, pelo que era diverso tanto no âmbito como no objeto da entidade a criar.
Pois a verdade é que, obrigatório por lei ou não, a empresa foi mesmo criada, e foi posteriormente regulada a sua relação com o Município de Lamego através de um contrato programa, considerado ilegal pelo Tribunal de Contas em 2008, contrato esse que já vai na sua quarta versão, na tentativa inglória de legalizar o que não é, de todo, legalizável. (Como se pode ler na página 9 do referido Relatório do Tribunal de Contas, também disponível à apreciação de todos no sítio internet deste Tribunal).
Quase sete anos depois, possuímos já alguns dados concretos que nos permite aferir da justeza da nossa discordância sobre esta entidade, dados esses que foram retirados das prestações de contas da própria empresa Lamego Convida e, portanto, escorados numa suposta veracidade das mesmas (o que pode não ser verdade, como adiante veremos).
Estes dados que agora se apresentam referem-se à gestão da empresa nos anos de 2007 a 2010, uma vez que 2006 foi o ano da sua criação, irrelevante na sua expressão financeira, e que se reduziu a uma transferência da Câmara para aquela empresa de 111.900 €, pagando-se então 75.644 € a pessoal (nesta altura só administração); e ainda não foram tornadas públicas as contas referentes a 2011. (Os dados são públicos e podem ser conferidos nos relatórios de gestão da própria empresa, disponibilizados no respetivo sítio internet).
Indo então aos elementos disponíveis, e no que respeita à relação entre a receita própria, gerada pelos serviços prestados, e os custos que suporta com o pessoal alocado, podemos constatar, em síntese, o seguinte:
  • Em 2007 a empresa gastou em pessoal seis vezes mais que as suas receitas próprias;
  • Em 2008, 2009 e 2010 a empresa gastou sempre, só em pessoal, cerca do dobro do que consegue encaixar em receitas próprias.
Já no que se refere à relação entre a receita própria e as despesas totais, o quadro sintetiza-se assim:
  • Em 2007, ano de arranque da empresa, esta custou à Câmara dez vezes mais que as receitas próprias geradas;
  • Em 2008 e 2009, a empresa custou cinco vezes mais à Câmara que as receitas próprias que conseguiu gerar;
  • Em 2010 a empresa custou três vezes mais à Câmara que as receitas próprias que conseguiu realizar.
Mas na verdade, neste ano de 2010, a empresa contabiliza um subsídio de exploração de 1.373.877 € proveniente da Câmara de Lamego, mas nas contas de gestão da Câmara deste mesmo ano, estão contabilizadas transferências para aquela empresa na ordem de 1.723.858 €. Há portanto movimentações de cerca de 350.000 € cujos enquadramentos orçamentais não estão compatibilizados, e destes, cerca de 250.000 € não estão devidamente explicitados.
Significa isto que a empresa pública municipal Lamego Convida gasta, só com o pessoal, cerca do dobro do que consegue arrecadar em receitas próprias, e gasta, no total, pelo menos três vezes mais que as receitas que consegue gerar. Mas é claro, também, que nunca tem problemas financeiros porque o contrato que possui, estabelece que todos os deficits da empresa serão sempre cobertos pela Câmara Municipal de Lamego, ou seja, por todos nós, os cidadãos portugueses que pagam os seus impostos.
Parece, portanto, que quando o senhor Primeiro Ministro e o senhor Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares se referem à premente necessidade de disciplinar os desvarios das empresas públicas municipais, estão a pensar na Lamego Convida, porque tudo quanto têm dito sobre este tipo de disparates, se aplica que nem uma luva a esta inenarrável empresa pública municipal!
Para evitar a sua extinção, tentam agora os seus administradores um designado “Plano de Sustentabilidade 2036” que é, no mínimo, um atentado à inteligência dos lamecenses, ao plagiar páginas seguidas de documentos oficiais de outros Estados Soberanos, como é o caso das Repúblicas de Moçambique e de Cabo Verde, e ainda da Região Autónoma dos Açores, para além de inscreverem valores “estimados” que não se baseiam em nenhum modelo analítico credível, “estimando” valores que possam permitir a continuação desta verdadeira “aberração” empresarial, por muito desnecessária que seja, já que nos vai custar mais de 71 milhões de euros nos próximos 30 anos, por força do estipulado no contrato programa já referido.
Certamente que Lamego, nos próximos anos, não terá outro remédio senão o de se preparar para pagar tamanhas irresponsabilidades de gestão municipal, e outras tantas de natureza falsamente “empresarial.

Agostinho Ribeiro

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Museus em Portugal, que futuro? (2)



Dando continuidade ao tema tratado no artigo anterior, a propósito do rumo que está a ser traçado para os museus do Estado, e na sequência do meu entendimento sobre as enormes dificuldades práticas com que os mesmos se debatem, tentarei agora referir alguns dos aspetos mais importantes que ilustram e sustentam estas minhas considerações.
 Os primeiros e grandes problemas com que os museus de debatem atualmente prendem-se com a desorçamentação sistemática que têm sofrido nos últimos anos, e com as políticas nada transparentes que estão a ser desenvolvidas por quem pouco ou nada entende de museus, mas a quem é dado um poder e um protagonismo inexplicáveis, pelo menos à luz do que seria normal e razoável conceber.
Na falta de lógicas claras e transparentes para explicar estes verdadeiros mistérios da natureza humana, foge-nos sempre o pensamento para razões distantes das realidades do próprio setor museológico, entrevendo outras lógicas e outras motivações bem arredadas do mundo e das problemáticas dos museus e da museologia em Portugal.
 E isto para não referirmos o gravíssimo retrocesso institucional que estamos a assistir quanto à questão da autonomia gestionária dos nossos museus, cada vez mais próximos de estruturas sem qualquer margem de manobra ou capacidade própria para poder exercer a sua função de entidades de cultura no seio das comunidades que servem.
A estes retrocessos de duvidosa eficácia economicista, e de nenhuns resultados funcionais, somam-se as intenções em transferir museus do Estado para as direcções regionais de cultura ou autarquias, sem qualquer regra, critério ou fundamento válido, minimamente reconhecidos como estruturantes para a vida dos museus.
Mais grave ainda é o fato destas possíveis transferências estarem a ser tratadas sem ser auscultada a opinião geral dos profissionais do sector, isolando cirurgicamente o director de cada museu considerado e criando enormes constrangimentos ao bom desempenho das funções museológicas de cada entidade hipoteticamente abrangida por tal medida.
Tudo isto sem que se expliquem e percebam quaisquer benefícios para os acervos respetivos; vantagens para o público visitante; melhorias para os profissionais envolvidos; ou mais valias consistentes para as comunidades onde tais museus estão inseridos.
E, o que é ainda mais lamentável, este “programa estrutural e sub-reptício” está a ser implementado em sentido precisamente contrário ao discurso e programas políticos que todos os partidos possuem para o sector dos museus, sublinhando o irónico da questão nos designados partidos do aro do poder, que têm vindo a proclamar sistematicamente uma coisa e a deixar que algumas das suas irresponsáveis chefias façam outra, completamente contrária ao que proclamam.
E que não se pense que estas condicionantes operacionais apenas afetam os museus do Estado, já que sendo este o responsável por uma lei que estrutura e suporta a Rede Portuguesa de Museus, é precisamente o mesmo (Estado) que se mostra incapaz de assegurar a manutenção de um corpo técnico extremamente competente, com provas dadas e excelentes resultados obtidos até este momento. Esta pequena e esforçada equipa, que vem coordenando as múltiplas atividades da Rede, vai ser destruída num abrir e fechar de olhos, correndo-se agora o risco de desbaratar uma experiência adquirida ao longo de anos de intenso trabalho, a favor de uma sólida e consistente estruturação sistémica dos museus portuguesas de diversas  tutelas e tipologias.
Estou convencido que ainda se poderá inverter esta situação, para bem desta rede museológica e do nosso património cultural, em boa verdade o mais inovador e abrangente dos projetos museológicos da recente história da museologia em Portugal.
Sou dos que acredita que o Secretário de Estado da Cultura, tendo herdado um jogo tristemente “viciado”, será ainda capaz de pôr travão a este rumo suicidário para onde alguns estão a empurrar os museus portugueses, permitindo e promovendo a discussão e análise fundamentada destas questões, em sede do Conselho Nacional de Cultura e em reuniões profissionais e sectoriais com os principais responsáveis da área (diretores de museus do Estado e da Rede Portuguesa de Museus, APOM, ICOM e ARP).
Saibamos nós, nos tempos que correm, aplicar os nossos conhecimentos e a nossa capacidade empreendedora na qualificação e melhoria real do panorama museológico nacional, em vez de despender esforços e os parcos recursos disponíveis a fazer asneiras, piorando o que está mal e a estragar, pura e simplesmente, o que está bem.

Agostinho Ribeiro