quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Douro frágil…



A miudagem perde-se em correria estonteante e gritaria nervosa, enquanto o sol castiga duramente o largo à frente da igreja. Já são poucos, os miúdos… A missa ainda não começou e o Douro está mais frágil…
Os mais velhos coçam a cabeça, de chapéu alçado à banda, encostados ao murete do falso descanso do dia que é do Senhor, à procura da sombra amiga da figueira que teima em não definhar. Também ela há-de morrer um dia…
E o Douro cada vez mais frágil…
As mulheres, essas, já estão lá dentro, nas rezas sussurradas, entrecortadas por pensamentos e actos, e omissões e palavras, e olhares de soslaio e lábios cerrados, que a vida ainda é dura, em orações e preces murmuradas, que as fazem renascer em cada domingo que passa.
Coloco-me mais a jeito, debaixo da árvore secular, hirta e distante, de tão orgulhosa que está da sua prodigalidade, e perco o meu olhar na infinitude do vale que se abre à minha frente, saltitando, de olhos semicerrados, por entre os vinhedos bem tratados que se perdem na lonjura destes nadas que são tudo, desta fonte de vida que é dor e suor, parados por um instante, presos por um fio invisível que nem sequer sabemos se existe verdadeiramente, num dia que se diz de domingo, antes que se retome o ciclo do esvaziamento vagaroso, muito vagaroso e lento, que nos consome pausadamente, já que no Douro, o tempo não tem relógio que o saiba contar…
Quão frágil nos está este Douro que nos abafa e afaga, perdido entre berros de crianças e remoques de velhos, sumido entre súplicas de mulheres e a indiferença dos jovens, que todos os dias viram costas às mães e partem para outras paragens, onde o sol não castigue tanto e a terra lhes não seja tão ingrata.
E as festas que estão aí… Não como antigamente, claro, mas ainda assim repletas de promessas enganadoras de uma vida que não é verdadeira, mas que ajuda à passagem dos anos, como se os anos se contassem pelas vindimas, ou pela poda, ou pelas festas… Ou apenas se contam agora pelo dia já mais distante em que o filho abalou para outras paragens em busca de uma vida melhor… Com promessas de voltar, um dia…
E o sol, indiferente a estes sonolentos pensamentos, continua a castigar duramente o adro da igreja, também ele parecendo um pouco arreliado pelo ligeiro atraso do senhor padre, que tarda a vir para nos tirar desta fadiga que é a espera à sombra da figueira que também há-de morrer…
Este ano havemos de ir todos à festa da Senhora dos Remédios, se o filho vier passar por cá uns dias… Ele há-de lembrar-se… Ele há-de lembrar-se de vir… Ele gostava da marcha luminosa e da procissão! Quando era pequenote, os olhos brilhavam de deslumbramento e ilusão perante as miríades de luz que animavam o cortejo… E não parava de perguntar o que era aquilo, na procissão… aquilo ali de cada andor, aquilo ali de cada figura… Ele há-de lembrar-se e há-de vir, nem que seja apenas nos dias principais…
Já lá vão vinte anos e ele sem vir… E este sol que não pára de nos castigar… E o senhor padre que tarda a vir rezar a missa…
E este Douro cada vez mais frágil… Será que não se cansa de se esvaziar? Serão os meus olhos agastados pelo tempo que já não encontram vida onde ela existiu, e estes ouvidos que já não ouvem os gritos das crianças como outrora, à volta do adro da igreja ou no recreio da escola…?

Mas não, não é impressão… Os gritos da miudagem deixaram mesmo de se ouvir… O silêncio apressa-se no adro porque o senhor padre já chegou e a missa vai começar. O primeiro cântico ecoa de dentro do templo, no falsete das mulheres, enquanto os homens se apressam a tirar os chapéus e a entrar na igreja, respeitosos e solenes, face dura e gretada pelos dias da terra, que este Douro não perdoa quando o sol se decide a castigar com mais força…
Mas está mais frágil, este Douro, lá isso está…

Agostinho Ribeiro

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Civismo.



Aproveitando o facto de estarmos a atravessar um período de menor actividade política, por via das férias de Verão, tratarei esta semana de tecer algumas considerações sobre a importância do civismo para a construção de uma verdadeira democracia, robusta e saudável, como certamente será a que pretendemos para o nosso país.
Como sabemos, o termo “civismo” significa, genericamente, “dedicação pelo interesse público”, e esta dedicação não se pode dissociar do espírito democrático, já que a sua ausência pode destruir a confiança que o comum dos cidadãos deposita nas instituições públicas do Estado, sobretudo nas que são de natureza essencialmente política.
Quero com isto dizer que quanto maior for o sentido cívico dos cidadãos que exercem a política, e a demais actividade pública, maior qualidade terá o nosso regime democrático, sendo fácil perceber que o inverso também é verdadeiro – quanto menor for esse sentido cívico dos nossos políticos, administradores, funcionários e restantes classes profissionais com expressão pública, menos qualificada será a nossa democracia e, consequentemente, mais pobres e medíocres seremos todos nós.
Por esta mesma razão, que se não pense que o civismo deve ser apenas apanágio dos políticos…Pelo contrário, este deve ser um atributo a valorizar em todas as classes profissionais, com especial relevo para as que se dedicam ao serviço público, ou cujo produto se destine ao público em geral, como é também o caso de toda a comunicação social, seja ela falada, visionada ou escrita.
Ora acontece que temos assistido ultimamente (e talvez por ausência de notícias verdadeiramente relevantes, do ponto de vista político), ao que me parece ser a enfatização desmesurada de actos ou decisões da administração pública, que mais não são que ocorrências normais do legítimo exercício das respectivas competências, exercidas por parte de quem tem o pleno direito de as exercer.
Interpreto estas atitudes, deliberadamente empoladas e até mesmo apresentadas de forma abusivamente parcial, como bem representativas de uma grande irresponsabilidade cívica, protagonizada por parte de alguns sectores da comunicação social, já que me parece que deturpam propositadamente a natureza destes actos de gestão corrente, “transformando-os” em supostos abusos de poder, coerção das liberdades fundamentais ou repressão dos mais elementares direitos de expressão e opinião, sem contudo demonstrarem a validade dos seus argumentos.
Deveria haver, sempre e em todas as circunstâncias, maior cuidado na forma de se “produzirem” e “venderem” notícias, uma vez que se não deve fazer passar “gato por lebre”, induzindo os cidadãos em erro interpretativo, na tal atitude deliberada que considero como totalmente desprovida de sentido cívico.
É que a falta de isenção e de imparcialidade no tratamento e apresentação das notícias é sempre prejudicial a uma das partes envolvidas, e seguramente penalizadora do regime democrático em que vivemos, sendo por isso, e em última instância, prejudicial para a totalidade dos cidadãos.
Os jornalistas, tanto quanto os próprios políticos, deveriam ter este princípio elementar do civismo em permanente conta no exercício da sua actividade profissional, porque está visto que a sua força mediática, quando mal direccionada, pode ajudar à destruição dos valores fundamentais que alicerçam a nossa democracia. E a dedicação pelo interesse público exige que se saiba distinguir o “trigo do joio”; que se saiba destrinçar o fundamental do acessório; que se saiba diferenciar a essência dos conteúdos da encenação das formas; que se saiba, enfim, apresentar a verdade dos factos, com a seriedade que a mesma merece, quando esta se esconde na floresta das mentiras e dos discutíveis indícios supostamente meritórios.
Para bem da nossa democracia e independentemente das razões que possam existir em abono dos seus (eventuais) antagónicos protagonistas.

Agostinho Ribeiro

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Ainda a tempo.



Na semana passada pronunciei-me sobre a questão relacionada com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que decidiu mandar arquivar o processo referente à denúncia despoletada por uma empresa que se “sentiu” lesada com o tratamento parcial de que, supostamente, terá sido vítima por parte da Lamego ConVida.
Mesmo corrigindo aqui que o “particular” a que se refere a fundamentação do Tribunal seja a empresa em causa, e não o senhor vereador que canalizou a denúncia, conforme a minha inadvertida interpretação, continua válida a recusa em aceitar que um representante legítimo de quase metade do eleitorado lamecense seja tratado neste processo de forma tão despicienda, já que me parece que um indício desta natureza exigiria uma atitude mais assertiva por parte de quem tem o dever inalienável de zelar escrupulosamente, e até às últimas consequências, pelo cumprimento das mais elementares regras da igualdade de direitos e de deveres que a todos assistem, num Estado Democrático e de Direito como o nosso.
É que, neste contexto dos direitos fundamentais, é necessário e obrigatório ir um pouco mais longe, não nos devendo ficar por argumentos meramente circunstanciais, como o da constatação que o “particular” nem sequer é queixoso nos autos, como se um assunto desta natureza, evidentemente público, se pudesse reduzir a uma questão de um mero jogo de interesses privados. Não é!
Tudo o que possa dizer respeito a uma empresa pública municipal, como é o caso da Lamego ConVida, detida a 100% pela Câmara Municipal de Lamego, jamais poderá ser reduzido a tais interesses particulares, e qualquer acto menos probo, sobretudo quando em forma suspeita e, eventualmente, tentada (ainda que não comprovada), não pode ser descartado com tamanha ligeireza, e muito menos quando o problema foi endereçado às entidades competentes por um responsável político no legítimo exercício das suas obrigações públicas.
Logo, esta decisão do Tribunal, embora merecendo o meu respeito, não pode merecer a minha concordância, e sou de opinião que este assunto não deve ser esquecido por parte da oposição concelhia, nem das próprias entidades judiciais, que devem envidar todos os esforços no sentido do seu cabal esclarecimento.
Mas este problema em concreto faz-me retomar aqui a expressão pública da minha grande apreensão pela situação em que se encontra o nosso sistema judicial, que de tão complexo, moroso e de difícil compreensão para o comum dos cidadãos, nos leva a duvidar sistematicamente da sua eficiência e da sua eficácia e, por via destas ausências, da sua própria essência primeira e fundamental – o exercício da Justiça – que deveria ser garantido com a maior das imparcialidades e o maior dos rigores, para assim se assegurar a estabilidade de um dos mais importantes pilares da nossa democracia.
Em boa verdade, e perante uma carta assinada por uma empresa que se diz lesada por tratamento parcial, protagonizado por um júri de concurso de uma empresa pública municipal, e cuja carta foi devidamente endereçada às entidades competentes por um senhor vereador da Câmara Municipal de Lamego, só o facto de se ter decidido pelo arquivamento do processo, com base nos argumentos publicados, é acto que não pode deixar de nos surpreender.
E maior é a surpresa quando verificamos que, já muito antes da ocorrência denunciada, tinha corrido o “boato” de que a empresa que se viria a constituir seria liderada pela que, afinal, ganhou mesmo este tão famigerado concurso.
Pura coincidência? Talvez… Mas coincidência devastadora para a credibilidade e seriedade do concurso em causa, a exigir das entidades competentes uma averiguação adequada, que se não pode compadecer com este simples arquivamento de processo.

Agostinho Ribeiro

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Silly Season?



O Eng. Pedro Torres, tendo sido confrontado numa reunião do executivo camarário com uma denúncia escrita de favorecimento, num concurso referente à parceria público/privada protagonizada pela empresa LamegoConvida, remeteu a mesma para as entidades competentes, a fim de se tentar apurar a verdade dos factos, como é dever de qualquer cidadão bem formado, ainda por cima com responsabilidades públicas como é o caso vertente.
Em face desta atitude, todos julgamos que o processo terá sido “tratado” da forma mais adequada e conveniente pelas diversas entidades receptoras, e de tal forma assim terá sucedido que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, uma dessas várias entidades que receberam a carta denunciadora, já se pronunciou de forma conclusiva.
Entendeu este Tribunal que deveria mandar arquivar o processo, por se não enquadrar no âmbito das competências da sua actuação, alegando que, e passo a citar o que li num órgão de comunicação social, “não haver nos autos elementos que nos permitam concluir ter a Câmara Municipal de Lamego praticado qualquer ilegalidade que leve a que este Tribunal tenha de intervir para reposição dessa legalidade violada”, aduzindo ainda que “Não estão em causa quaisquer interesses públicos relevantes referidos no artigo 9º, nº 2 do CPTA, nem a defesa da legalidade democrática, mas apenas e tão só os interesses dum particular, que nem sequer é queixoso nos autos”.
Sobre esta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu não me vou pronunciar ainda, pela simples razão de não ter lido o despacho em causa, mas acrescento desde já que, se for verdade que a argumentação esgrimida pelo Tribunal é esta que aqui reproduzo, instarei o Partido Socialista de Lamego a usar de todas as suas competências legais para recorrer desta decisão, já que me recuso a aceitar que um senhor vereador, na qualidade de representante legítimo de quase metade do eleitorado lamecense, seja tratado neste processo como um “particular”, que não é, e que pelo facto de não ser queixoso nos autos, vê recusado o seu pedido de averiguação de um procedimento sobre matéria de natureza pública que é, no mínimo, muito pouco transparente, em face de uma denúncia escrita apresentada por uma empresa preterida no processo.
Até se poderá chegar à conclusão de que não houve, de facto, qualquer favorecimento, mas que tal conclusão resulte de uma investigação adequada sobre os procedimentos adoptados, e não por causa de matéria meramente formal que inviabiliza, a montante, a real possibilidade de se apurar a verdade, já que este caso envolve interesses públicos relevantes, pelo menos para o Município de Lamego.
Mas o que me deixa estupefacto é o veemente pedido de desculpas que o Eng. Francisco Lopes pede àquele senhor vereador do Partido Socialista, tanto pelo conteúdo como pela forma como tal pedido é apresentado.
Pedir desculpas por ter solicitado a intervenção de quem de direito sobre matéria de relevantíssimo interesse público municipal, a partir de uma denúncia escrita, assinada por uma firma concorrente, que se sentiu lesada com o tratamento desigual a que, supostamente, terá sido sujeita?
Achar que o senhor vereador deve dar “uma cuidada explicação aos lamecenses sobre a motivação da sua conduta”, conforme leio no mesmo jornal?
Para quem já teve o atrevimento de tentar enganar os lamecenses, em várias e diferentes situações de natureza pública municipal, como tenho vindo sistematicamente a denunciar, sem nunca ter tido a humildade de pedir desculpas pelo incorrecto comportamento de que é useiro e vezeiro, esta intolerável atitude de requerer um pedido de desculpas públicas ao senhor vereador só pode ser considerado como o efeito perverso da silly season que atravessamos.
Nada mais que isso…!

Agostinho Ribeiro