Manifesto hoje a minha preocupação pela situação precária em que se encontram os Museus do Estado, em resultado da sistemática desorçamentação a que têm vindo a ser sujeitos, e da errónea perspectiva que, sobretudo nos últimos anos, se tem colocado ao nível dos grandes desígnios que aos museus se colocam e aos decisores políticos cumpre definir, recolhendo as ideias, pareceres e opiniões tecnicamente fundamentados pelos diferentes profissionais da museologia em Portugal.
Esta ausência de fundos minimamente capazes para que os museus possam fazer face às suas mais elementares obrigações, aliada à falta de clareza e transparência nos processos que visam a definição das políticas futuras do sector, põem em causa o cumprimento básico das funções museológicas, provocando aos seus responsáveis e profissionais impossibilidades materiais para o exercício das boas práticas estabelecidas pelas instâncias internacionais e nacionais, como é o caso do ICOM e da APOM, nomeadamente no que diz respeito ao Código de Deontologia do ICOM para os Museus.
Nestes termos, e em face da reorganização que se está a preparar na área do património cultural, por parte dos decisores políticos, sem que todavia as diversas entidades e pessoas representativas do sector museológico estejam a ser ouvidas sobre as matérias que dizem respeito aos museus do Estado, pelo menos até ao momento, apresento um conjunto de propostas que me parecem merecer uma franca concordância, conceptual e metodológica, por parte de muitos colegas e profissionais do sector, na forma que segue:
1º - O Estado não pode nem se deve demitir das suas responsabilidades constitucionais, expressas na alínea e) do artigo 9º da Constituição da República Portuguesa (Tarefas fundamentais do Estado), que refere concretamente a de “Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”.
2º - Para o exercício desta tarefa fundamental do Estado Português, no âmbito específico do património cultural depositado nos Museus do Estado, defendemos o respeito integral pelas disposições constantes na Lei Quadro dos Museus Portugueses, Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto, aprovada por unanimidade na Assembleia da República, sugerindo a produção das disposições regulamentares em falta, visando o seu exemplar cumprimento.
O disposto nesta Lei deve constituir a base primordial do trabalho de reorganização dos museus do Estado, particularmente no que se refere:
a) Ao objecto expresso no artigo 1º das suas disposições legais, desde a definição dos princípios da política museológica nacional, passando pela promoção e regulação de todas as vertentes onde a actividade museológica se faz sentir, até à institucionalização e desenvolvimento da Rede Portuguesa de Museus;
b) À adequada sustentabilidade, da responsabilidade inalienável do Estado, no que respeita aos Recursos humanos, financeiros e instalações, expressos no Capítulo III desta Lei;
c) Devendo ser dada especial atenção ao Capítulo VIII, sobre a Rede Portuguesa de Museus, matéria unanimemente considerada pelos responsáveis e trabalhadores do sector museológico como sendo estruturante para o futuro dos museus e da museologia em Portugal.
3º - O novo modelo de gestão dos museus do Estado deve conferir uma maior autonomia a estas entidades culturais, permitindo a gestão independente das receitas próprias, sem que as mesmas ponham em causa os seguintes pressupostos:
a) Todos os museus devem possuir uma dotação orçamental própria e objectivamente suficiente para fazer face às despesas de funcionamento (pessoal e custos correntes), o que não acontece actualmente;
b) Os métodos de selecção para apoios suplementares a projectos e programas específicos dos museus devem ser definidos com regras claras e transparentes, de conhecimento interno generalizado, e baseados em critérios objectivos e mensuráveis;
c) Os museus respondem, tanto ao nível dos planos e orçamentos, como dos relatórios e contas, à entidade tutelar, no caso presente à DGPC, nos termos regulamentares que se vierem a instituir;
d) O Estado deve ainda garantir, sem subterfúgios ou dilações, e sobretudo sem suborçamentações, as despesas com o pessoal, com o funcionamento e com os equipamentos dos seus museus;
e) O Estado deve disponibilizar, através da DGPC, uma verba especial para fazer face às necessidades de manutenção/reparação dos edifícios onde estão instalados os museus, bem como em relação aos respectivos equipamentos que os dotam;
f) O Estado deve disponibilizar, através da DGPC, uma verba especial para fazer face às necessidades de conservação das colecções de todos os Museus dependentes, definindo a sua aplicação em função de critérios claros e objectivos, segundo normas regulamentares estabelecidas internamente;
g) As receitas de mecenato obtidas para fins específicos, por parte de cada museu, devem ser geridas directamente pelos museus beneficiários. As receitas mecenáticas obtidas pela entidade tutelar, em termos gerais, devem servir para financiar projectos de todos os museus, beneficiando tendencialmente os que, por força da sua localização periférica, maiores dificuldades tenham na obtenção deste tipo de apoios.
4º - No âmbito das transferências previstas de Museus para a tutela das Direcções Regionais de Cultura ou para as autarquias locais, e uma vez que não é suposto que tais transferências sejam feitas por razões de natureza economicista, devem ser acauteladas e garantidas as seguintes condições:
a) As novas entidades tutelares são dotadas anualmente dos recursos indispensáveis que assegurem as mesmas condições de apoio material, humano, técnico e financeiro aos museus que transitam de tutela, pelo menos nos termos em que tal apoio tem sido prestado até à data presente pelo ex- IMC, ficando obrigadas aos seu cumprimento, por força de lei;
b) As estruturas museológicas que transitarem para as diferentes tutelas não sofrerão nenhuma depreciação financeira, normativa, regulamentar e funcional, nem serão prejudicadas nos seus mapas de pessoal actuais, nem das expectativas de funcionamento que possuem, nem tão pouco de alterações aos métodos de constituição das respectivas direcções, conforme está consagrado na Lei Quadro dos Museus Portugueses;
c) Por cada Museu transferido, por razões concretas e tecnicamente fundamentadas (acervo, localização, tipologia ou outras) deve ser transferido para a tutela do Estado uma entidade museológica que cubra zonas do território nacional actualmente desprovidas de Museus do Estado, para melhor cumprimento do desiderato expresso na alínea b) do ponto seguinte.
5º - No âmbito da Rede Portuguesa de Museus deve ser:
a) Dada continuidade ao trabalho da equipa existente, reforçando as suas capacidades normativas e operacionais;
b) Iniciado o processo de estruturação a que se referem os artigos 106º e 107ª (Museus nacionais e núcleos de apoio a museus), definindo as respectivas funções e instalando os primeiros núcleos no território nacional.
6º - No âmbito das relações entre a cultura e o turismo devem ser acautelados investimentos na requalificação das estruturas museológicas em todo o território nacional, com verbas provenientes do sector do turismo, estabelecendo quotas obrigatórias para uma aplicação equilibrada e justa dos fundos disponibilizados para o efeito.
Estes são alguns dos meus contributos conceptuais e metodológicos para a causa da museologia portuguesa, tendo em conta a mudança de paradigma social e cultural que vivemos actualmente, apresentados com o intuito de colaborar na discussão pública destas matérias.
Agostinho Ribeiro
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