quinta-feira, 1 de maio de 2008

Metáforas.



Na última sessão da Assembleia Municipal de Lamego utilizei uma metáfora para me referir às obras de cariz rodoviário que estão a ser executadas em Lamego.
Comparei então a cidade de Lamego a uma senhora muito linda que, entretanto, já acusava algum peso da idade – umas rugas naturais, uns pequenos defeitos físicos a pedir algum tratamento, um ou outro foco de gordura desagradável no seu corpo…
Mas o mais grave de tudo era o enorme problema de coração que lhe tinha sido detectado nos últimos tempos, esse sim a exigir imediata e pronta intervenção cirúrgica. É claro que este grave problema do coração se refere ao tráfego intenso e indesejável que todos os dias se verifica no centro da nossa cidade, no eixo constituído entre a Alexandre Herculano, rotunda do Soldado Desconhecido e Av. 5 de Outubro, e respectivas perpendiculares, diariamente sujeitas a pressões intensas de trânsito, sem quaisquer alternativas reais.
Fortemente preocupada, sobretudo com a sua grave doença do coração, esta “senhora” recebe em sua casa, com indisfarçável satisfação, um pretenso “médico de família” que lhe garante a resolução de todos os seus problemas. Mas isso tinha enormes custos, e exigiria a utilização de todos os recursos disponíveis para os resolver e, ainda assim, teria que se recorrer à sua capacidade de endividamento.
E a “senhora” lá foi para ser objecto das intervenções necessárias: fez umas cirurgias plásticas que lhe retiraram as rugas, corrigiram-se alguns defeitos naturais, resolveram-se os problemas das varizes, fizeram-se umas lipoaspirações, enfim, lá se conseguiu que a “senhora” rejuvenescesse alguns anos, para sua imediata satisfação.
Acontece que, quando saiu da clínica, se sentiu muito pior do coração, do que quando tinha entrado…
É que a cosmética que está a ser feita na cidade vai servir para chegarmos em melhor condições e mais depressa ao problema fundamental, que ainda se encontra por resolver – a inexistência de alternativa ao trânsito no interior da cidade, por via da construção de uma circular rodoviária, que tarda a surgir no terreno.
Cada vez mais preocupada com o seu problema não resolvido do coração, a “senhora” retorna ao suposto “médico”, que lhe garante que irá resolver a questão, mas que isso lhe custará ainda muito mais dinheiro, já que vai ter que a endividar por mais anos, e de uma forma que a não deixará fazer rigorosamente mais nada nesses tempos futuros.
E lá vai a “senhora” de novo para a clínica, desta vez para lhe ser mudada a cor dos olhos, que o mesmo é dizer, construir um pavilhão multiusos. Quanto ao problema fundamental do coração, aquele que verdadeiramente interessa para a sobrevivência da “senhora”, terá que continuar a aguardar pacientemente por melhores dias…
E rematei afirmando que os mais incautos dirão: “Que bonita está…!”; os menos conscientes dirão: “Que magníficas intervenções…!”; os mais conscientes e preocupados dirão: “Que falta de rigor e de acertadas prioridades na aplicação dos dinheiros públicos!”.

São opiniões, e esta é a minha. O senhor Presidente da Câmara respondeu-me dizendo, entre outras coisas, que era ridículo e despropositado comparar uma cidade a uma “mulher”, uma vez que são realidades muito diferentes… Vá que não vá, sobre este assunto parece que não vai utilizar os dinheiros públicos para me meter em tribunal! É que já começa a rarear, no que digo ou faço, matéria que não seja de insulto e difamação, falsidade e crime, no entendimento daquele senhor.
Percebe-se que haverá sempre alguém com dificuldades em alcançar o sentido simbólico das metáforas. Haverá sempre alguém que não deixará de nos lembrar que a “Pietá”, de Miguel Ângelo, esse símbolo maior da dor e do sofrimento humanos, não passa de uma fria pedra esculpida por mãos habilidosas.
Mas também há quem saiba isso muito bem e, mesmo assim, não deixe de perceber esse alcance simbólico que nos faz mais humanos e sensíveis ao mundo que nos rodeia.

Agostinho Ribeiro

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