quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Questões de carácter.



A natureza humana é ampla e diversa na tipologia dos seres que a compõem, sendo certo que esta amplitude e diversidade constitui, precisamente, a sua maior riqueza. Pobres de nós, seres humanos, se todos fôssemos iguais, pensássemos da mesma maneira, partilhássemos os mesmos gostos, tivéssemos os mesmos comportamentos e a mesma forma de ser e estar na vida…
Que pobreza e monotonia seria esta vida, se assim fosse!
O carácter de cada um de nós é uma marca impressiva que nos identifica pessoalmente e, por isso mesmo, nos diferencia de todos os outros. É a marca da individualidade que, na matriz global da humanidade, nos permite distinguir cada um dos seres humanos que a compõem. É o cunho especial e distintivo que nos concede a possibilidade de diferenciar as pessoas e discernir entre “este” e “aquele”, nas suas virtudes e qualidades, nos seus vícios e defeitos…
Mas a noção que temos do carácter de cada indivíduo não é uma questão meramente física, no sentido material e formal do termo – o carácter que percebemos em cada ser humano traduz também impressões, sentimentos, feitios, e a percepção da índole e do temperamento de dada pessoa, sendo que todos estes atributos concorrem para a formulação da “ideia” que temos sobre essa mesma pessoa, com quem temos de conviver e de nos relacionar.
Um outro elemento a considerar, nas questões de carácter, é a possibilidade das pessoas mudarem de ideias, ou seja, pensarem de forma diferente do que sempre pensaram, a partir de uma reflexão séria que porventura tiveram, levando a admitir como válida uma ideia ou um acto que anteriormente se reprovava vivamente, que se utilizava como arma de arremesso contra os seus antagonistas, ou simplesmente se considerava irrelevante.
É uma virtude esta possibilidade de mudarmos, quando ela se baseia, genuinamente, em argumentos de sã e honesta elaboração mental, constituindo fundamentos que validam a mudança das ideias que temos sobre esta ou aquela matéria.
E quando verificamos que aquilo que defendíamos, convictos das nossas razões, passa a ser também defendido por quem, vigorosa e injustamente, o atacava sem avaliação nem tino, apenas porque somos adversários políticos (e não só), então apenas nos devemos congratular pela mudança operada, já que estamos perante uma admissão de um erro, em más e continuadas horas cometido.
Mas deve ser pura e genuína, esta mudança. Se não for, passa de imediato para o campo da hipocrisia, ou seja, para o campo da impostura e do fingimento, porque apenas tem como fito a transmissão de uma aparência (mentirosa) e não de uma realidade (verdadeira). Para ser pura, verdadeira e genuína, as mudanças operadas devem respeitar, e integrar, os que sempre foram defensores e responsáveis dessas ideias ou projectos, e não provocar o ostracismo, ignorando petulantemente as pessoas e as entidades que sempre estiveram a favor dessa ideia ou projecto.
Neste caso, ignorar as pessoas é falta de educação e dos princípios mais básicos que nos distinguem dos restantes animais, e ignorar as instituições é desconsiderar o colectivo que as entidades representam e, por via disso, não ser merecedor da própria entidade que deveria saber servir.
E por tudo isto que acabei de referir, quem não sabe distinguir estas diferenças de carácter, que nos ajudam a destrinçar o que é bom do que é mau, medindo tudo pela mesma rasa, e fazendo de conta que estas questões são irrelevantes para a boa condução das coisas públicas, também não merece a nossa consideração, porque imerge no mesmo erro das artes do fingimento…

Agostinho Ribeiro

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