Na última
sessão da Assembleia Municipal de Lamego utilizei uma metáfora para me referir às
obras de cariz rodoviário que estão a ser executadas em Lamego.
Comparei então
a cidade de Lamego a uma senhora muito linda que, entretanto, já acusava algum
peso da idade – umas rugas naturais, uns pequenos defeitos físicos a pedir
algum tratamento, um ou outro foco de gordura desagradável no seu corpo…
Mas o mais
grave de tudo era o enorme problema de coração que lhe tinha sido detectado nos
últimos tempos, esse sim a exigir imediata e pronta intervenção cirúrgica. É
claro que este grave problema do coração se refere ao tráfego intenso e
indesejável que todos os dias se verifica no centro da nossa cidade, no eixo
constituído entre a Alexandre Herculano, rotunda do Soldado Desconhecido e Av.
5 de Outubro, e respectivas perpendiculares, diariamente sujeitas a pressões intensas
de trânsito, sem quaisquer alternativas reais.
Fortemente
preocupada, sobretudo com a sua grave doença do coração, esta “senhora” recebe
em sua casa, com indisfarçável satisfação, um pretenso “médico de família” que
lhe garante a resolução de todos os seus problemas. Mas isso tinha enormes
custos, e exigiria a utilização de todos os recursos disponíveis para os
resolver e, ainda assim, teria que se recorrer à sua capacidade de
endividamento.
E a “senhora”
lá foi para ser objecto das intervenções necessárias: fez umas cirurgias
plásticas que lhe retiraram as rugas, corrigiram-se alguns defeitos naturais,
resolveram-se os problemas das varizes, fizeram-se umas lipoaspirações, enfim,
lá se conseguiu que a “senhora” rejuvenescesse alguns anos, para sua imediata
satisfação.
Acontece que,
quando saiu da clínica, se sentiu muito pior do coração, do que quando tinha
entrado…
É que a
cosmética que está a ser feita na cidade vai servir para chegarmos em melhor
condições e mais depressa ao problema fundamental, que ainda se encontra por
resolver – a inexistência de alternativa ao trânsito no interior da cidade, por
via da construção de uma circular rodoviária, que tarda a surgir no terreno.
Cada vez mais
preocupada com o seu problema não resolvido do coração, a “senhora” retorna ao
suposto “médico”, que lhe garante que irá resolver a questão, mas que isso lhe
custará ainda muito mais dinheiro, já que vai ter que a endividar por mais
anos, e de uma forma que a não deixará fazer rigorosamente mais nada nesses
tempos futuros.
E lá vai a
“senhora” de novo para a clínica, desta vez para lhe ser mudada a cor dos
olhos, que o mesmo é dizer, construir um pavilhão multiusos. Quanto ao problema
fundamental do coração, aquele que verdadeiramente interessa para a
sobrevivência da “senhora”, terá que continuar a aguardar pacientemente por
melhores dias…
E rematei afirmando
que os mais incautos dirão: “Que bonita está…!”; os menos conscientes dirão:
“Que magníficas intervenções…!”; os mais conscientes e preocupados dirão: “Que
falta de rigor e de acertadas prioridades na aplicação dos dinheiros
públicos!”.
São opiniões, e
esta é a minha. O senhor Presidente da Câmara respondeu-me dizendo, entre
outras coisas, que era ridículo e despropositado comparar uma cidade a uma
“mulher”, uma vez que são realidades muito diferentes… Vá que não vá, sobre
este assunto parece que não vai utilizar os dinheiros públicos para me meter em
tribunal! É que já começa a rarear, no que digo ou faço, matéria que não seja de
insulto e difamação, falsidade e crime, no entendimento daquele senhor.
Percebe-se que
haverá sempre alguém com dificuldades em alcançar o sentido simbólico das
metáforas. Haverá sempre alguém que não deixará de nos lembrar que a “Pietá”, de Miguel Ângelo, esse símbolo
maior da dor e do sofrimento humanos, não passa de uma fria pedra esculpida por
mãos habilidosas.
Mas também há
quem saiba isso muito bem e, mesmo assim, não deixe de perceber esse alcance
simbólico que nos faz mais humanos e sensíveis ao mundo que nos rodeia.
Agostinho Ribeiro